
Retrospectiva da Luta
Retrospectiva da luta pelo restabelecimento da exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista
Primeiramente, a disputa da opinião pública
No fim da década de 1980 e em vários anos da década de1990, o jornal Folha de S. Paulo tratou da exigência do diploma em curso superior de Jornalismo como condição de acesso à profissão. Por meio de reportagens, notícias e artigos de opinião firmou posição contrária à regulamentação da profissão de jornalista e, em especial, à exigência da formação de nível superior específica. A defesa da liberdade de expressão foi evocada e tratada como sinônimo de liberdade de imprensa. Propositalmente, a confusão entre os dois conceitos, que perdura até hoje, foi instalada.
Além disso, a Folha adotou uma forma bastante contundente de se opor à regulamentação da profissão de jornalista: passou a contratar pessoas não-diplomadas em jornalismo, mas, paradoxalmente, com alta qualificação profissional. Estas contratações e a alta performance de especialistas passaram a ser forte argumento contra a regulamentação e serviram de material para o ataque judicial contra o diploma de jornalista.
O início do ataque judicial
A regulamentação da profissão de jornalista pelo Decreto-Lei 972/1969 foi questionada em Ação Civil Pública, apresentada pelo procurador da República (MPF/SP) André de Carvalho Ramos, na 16ª Vara Federal de São Paulo, em outubro de 2001, contra a União. Com o argumento da defesa da liberdade de expressão e da não recepção do Decreto-lei nº 972/1969 pela Constituição Federal, o procurador pediu, no mérito e em tutela antecipada (a liminar das ACPs):
∙ o fim da emissão dos registros profissionais
∙ a não fiscalização da atividade profissional por parte do Ministério do Trabalho
∙ a nulidade dos autos de infração lavrados contra empresas que mantinham irregulares
∙ o trancamento dos inquéritos policiais ou ações penais contra pessoas que exerciam ilegalmente a profissão.
Em sua ação, o procurador citou como exemplo casos de “jornalistas” (da Folha) que tinham sido denunciados pelo Sindicato de Jornalistas de SP, por exercerem ilegalmente a profissão.
A juíza substituta, Carla Abrantkoski Rister, concedeu tutela antecipada contra a obrigatoriedade do diploma, ainda no mês de outubro.
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e o Sindicato de Jornalistas de SP pediram para ingressar na ação. O Sindicato das Empresas de Rádio e TV de SP, também. A juíza consentiu o ingresso dos Sindicatos como assistentes. Houve manifestações, mas em 2003, a juíza deu a sentença no mérito contra a obrigatoriedade do diploma.
A FENAJ e a União recorreram da decisão de 1ª instância no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O Tribunal acolheu o recurso da FENAJ e do SJSP, entendendo que a exigência da qualificação não é inconstitucional, Na decisão, foi citado o inciso XIII, do artigo 5º, que diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
O MPF/SP e o Sindicato das Empresas de Rádio e TV de SP apresentaram Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, contra a decisão do TRF/3ª Região.
A fatídica decisão do STF e os anos seguintes
Em 17 de junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela inconstitucionalidade do diploma de nível superior em Jornalismo como exigência para o exercício da profissão. Começava ali, quase 14 anos atrás, a luta da FENAJ, dos Sindicatos filiados, dos jornalistas brasileiros e da comunidade universitária para restabelecer a formação como critério basilar para se exercer profissionalmente um ofício ao qual a sociedade confere o dever de ser os seus olhos perante as instituições públicas, empresas e organizações privadas.
De lá para cá, os fatos e efeitos se sucederam, conforme mostra a retrospectiva temporal abaixo. Uma das consequências, que hoje é bastante visível, é a queda da qualidade na prática do Jornalismo. Outra, que os profissionais sentem na pele, é a precarização das relações de trabalho, com a institucionalização de um exército de reserva no mercado, criando as condições para as empresas praticarem baixos salários, contratações sem direitos trabalhistas, desrespeito à legislação, entre outras mazelas.
Neste momento, quando o país respira novos ares na seara política, com um novo governo, mais aberto ao diálogo com os trabalhadores, a FENAJ e os sindicatos avaliam que foram recolocadas as condições para retomarmos a luta pela aprovação da PEC DO DIPLOMA. Essa é a tarefa do momento, um imperativo à retomada de um ambiente no Jornalismo mais digno para se trabalhar.
A seguir, construímos uma pequena retrospectiva para historiar aos dirigentes sindicais um resumo do que aconteceu, desde a decisão do STF, e nossas ações no Congresso. Foram apresentadas quatro Propostas de Emenda à Constituição (PECs) no Congresso, uma no Senado – de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) – e três na Câmara, que têm como autores, respectivamente, os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Gonzaga Patriota (PSB-PE) e a deputada Gorete Pereira (PR-CE).
- 17 de junho de 2009: o STF vota pela inconstitucionalidade do diploma de nível superior em Jornalismo como exigência para o exercício da profissão. A partir desse dia, a FENAJ e os sindicatos passam a negociar com parlamentares no Congresso a aprovação do retorno da exigência de nível superior, por meio da aprovação de uma PEC que modifique a Constituição. São apresentadas uma PEC no Senado e três PECs na Câmara;
- 02 de julho de 2009: o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) apresenta a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33/2009, que acrescenta o artigo 220-A à Constituição Federal, para dispor sobre a exigência do diploma de curso superior de Comunicação Social, habilitação Jornalismo, para o exercício da profissão de jornalista;
- 08 de julho de 2009: o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) apresenta Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 386/2009 na Câmara dos Deputados. No mesmo dia (8/06/2009), o deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), apresenta a PEC 388/2009, com o mesmo teor. A deputada Gorete Pereira (PR-CE) apresenta a PEC 389/2009, no mesmo sentido. Apesar de serem apresentadas no mesmo dia, prevaleceu a PEC do deputado Paulo Pimenta, por ter sido a primeira a ser protocolada. As demais foram a ela apensadas;
- 1º de outubro de 2009: Acontece audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, com a presença da FENAJ, para discutir a PEC 33/2009;
- 04 de novembro de 2009: Senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) apresenta relatório favorável à aprovação da PEC na CCJ do Senado;
- 11 de novembro de 2009: Relatório do deputado Maurício Rands (PT-PE), de admissibilidade da PEC 386/2009, é aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara. No mesmo dia, a PEC 33/2009 é lida no plenário do Senado, podendo ser incluída na pauta de votação;
- 26 de maio de 2010: Presidência da Câmara cria Comissão Especial para analisar a PEC 386/2009;
- 14 de julho de 2010: Relatório do deputado Hugo Leal (PSC-RJ) é aprovado na Comissão Especial na Câmara. Ele apensa ao seu relatório as PECs 388/2009 e 389/2009, que versavam sobre o mesmo tema;
- 23 de agosto de 2010: PEC 386/2009 chega Mesa da Câmara, para ser incluída na ordem do dia. Após essa data, dezenas de parlamentares apresentaram requerimentos, solicitando que a PEC 389/2009 fosse colocada na Ordem do Dia para votação na Câmara. Mas, infelizmente, a matéria ficou parada na Câmara de 2010 a 2014, não sendo apreciada;
- 30 de novembro de 2011: Após vários adiamentos, a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2009, do Senado, é levada à votação e aprovada em primeiro turno, com 65 votos sim e sete votos não;
- 07 de agosto de 2012: Depois de vários adiamentos, a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2009, é aprovada em segundo turno no Senado.
- 13 de agosto de 2012: PEC 33/2009, do Senado, é enviada à Câmara;
- 03 de abril de 2012: Deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) é nomeado relator da PEC 206/2012;
- 24 de junho de 2012: Deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) apresenta parecer pela admissibilidade da PEC 206 na Comissão de Constituição, de Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara;
- 21 e 22 de outubro de 2013: Caravana de dirigentes da FENAJ e sindicatos se reúne com o presidente da CCJC da Câmara, Décio Lima (PT/SC), e o vice-presidente da Comissão, Mauro Benevides (PMDB/CE), pedindo agilidade na votação do relatório de admissibilidade;
- 30 de outubro de 2013: Nomeado relator substituto da PEC 206/2012 o deputado Esperidião Amin (SC), que mantém o parecer do deputado Daniel Almeida, mas o deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ) pede vistas e impede votação da PEC na CCJC da Câmara;
- 12 de novembro de 2013: Comissão de Constituição, de Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara aprova a admissibilidade da PEC 206/2012, a PEC do Diploma. Antes de ser submetida ao plenário da Câmara em dois turnos de votação, a proposta precisa passar pela análise de mérito em uma Comissão Especial;
- 28 de maio de 2014: Diretoria da FENAJ e dirigentes de 14 Sindicatos do país realizam ato público no Salão Verde da Câmara;
- 29 de maio de 2014: Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, assina ato criando a Comissão Especial para análise do mérito da Proposta de Emenda Constitucional 206/2012, a PEC do Diploma;
- 10 de março de 2015: Mesa Diretora da Câmara defere requerimento do deputado Rubens Bueno (PPS-PR) e apensa a PEC 386/2009, da Câmara, à PEC 206/2012, oriunda do Senado, deixando apenas um texto versando sobre o tema na Casa;
- 07 de abril de 2015: Durante o Dia do Jornalista, FENAJ e Sindicatos realizam vigília em Brasília pela aprovação da PEC, mas o texto não é votado;
- 09 de abril de 2015: Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), garante apoio à PEC do Diploma e assume compromisso de colocar a proposta em votação;
- 23 de junho de 2015: Após avaliação da luta, levantamento da FENAJ com 233 parlamentares mostra que 217 são favoráveis à aprovação da PEC;
- 11 de agosto de 2015: Na companhia do deputado Hugo Leal (PROS/RJ), que havia sido o relator da PEC 389 na CCJC da Câmara, a FENAJ se reúne com o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que volta a garantir apoio à matéria, mas não assume uma data para votar o texto;
- 16 de março de 2016: Após diversas tentativas de votar o texto no ano anterior, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), declara em audiência com a FENAJ que, para colocar o projeto em votação, precisa da anuência dos líderes partidários;
- 10 de março de 2015 a 06 de julho de 2016: PEC 206 é colocada 59 vezes na pauta de votação, mas não é apreciada;
A partir desse período, a conjuntura na Câmara, que apresentava-se favorável à aprovação da nossa PEC, muda completamente. É aprovado o impeachment da presidenta Dilma Roussef, assume o vice-presidente Michel Temer, que estabelece junto com sua base no Congresso uma nova pauta para o país. O cenário decorrente desses acontecimentos dificultou a ação sindical e praticamente deixou o tema em hibernação: impeachment de Dilma, cassação de Eduardo Cunha, Reforma Trabalhista, eleição de Bolsonaro e de um Congresso mais conservador, reforma da Previdência, avanço dos ataques aos jornalistas, com incentivo do próprio presidente da República, tudo isso fez com que a luta pelo restabelecimento da exigência do diploma ficasse em compasso de espera. Afinal, até mais que defender a dignidade profissional, o jornalista tinha que lutar pela própria sobrevivência.